Da falta de carinho e empatia

Empatia significa a capacidade psicológica para sentir o que sentiria outra pessoa caso estivesse na mesma situação vivenciada por ela. Consiste em tentar compreender sentimentos e emoções, procurando experimentar de forma objetiva e racional o que sente outro indivíduo[1].

Durante os últimos meses tenho recebido relatos de certa falta de empatia de operadores da área da infância com relação a habilitandos e habilitados à adoção.

Mais que ninguém sei que a adoção tem como sujeito a criança e o atendimento ao seu melhor interesse, mas não podemos esquecer que o sujeito adotante é um ser com desejos, sonhos, anseios, não é um mero coadjuvante no processo de adoção, é o autor, o polo ativo em termos processuais.

Sinto falta de carinho, de cuidado, lembrando que o cuidado tem valor jurídico nos termos da obra de autoria de Tania da Silva Pereira[2], reportando-me ao citado por Calderon[3],: “A concepção de afetividade nem sempre esteve presente a conformar o paradigma familiar, sendo fruto do nascimento de uma nova noção de pessoa, reconhecida em sua subjetividade e mais dedicada aos sentimentos”.

Observo, nas relações em geral, com serventuários da justiça, psicólogos e assistentes sociais judiciários, estagiários, jovens aprendizes, terceirizados, e até em alguns magistrados – raros, pontue-se -, essa falta de cuidado com o outro.

Fácil, para mim especificamente, colocar-me no lugar de quem “perde” uma ligação por estar, por exemplo, em audiência, em cirurgia, em direção de um programa de TV, em uma entrevista profissional, em viagem ou dirigindo um veículo, dentre milhares de situações em que é simplesmente impossível atender ao telefone, pois já estive nesse lugar.

Perdeu a primeira ligação, a segunda, a terceira, todas com intervalo de meia hora, ou atendeu timidamente – geralmente diante de terceiros – e não pode falar tudo o que seria necessário para aquele momento e perde a vez, perde o momento tão esperado por dois, três, cinco anos.

Atender uma ligação – algo raro hoje em dia – de forma pouco eloquente não significa “não desejar a criança”, não atender ao telefone imediatamente não significa “desistimos de exercer a parentalidade”. Não é tom a voz – onde não há olho no olho – que pode medir a emoção do outro lado da linha.

Discussões sobre o uso de whatsapp, um dos aplicativos de maior sucesso e aceitação nas comunicações atuais, – tanto que já é utilizado pelo próprio judiciário[4] -, pela área da criança e do adolescente levam a nítida certeza da necessidade de implementação urgente da ferramenta. Não é concebível que no momento tecnológico em que vivemos se perca a chance de receber uma criança tão esperada pela impossibilidade momentânea de atender uma arcaica ligação telefônica.

Não estamos tratando apenas do lugar do outro que recebe a ligação, mas também do tempo daquele profissional que tenta fazer, sem sucesso, as malfadadas ligações.

É sabida a falta de contratações de profissionais pelo judiciário, mesmo com vários concursos públicos ainda na validade, o déficit de psicólogos, assistentes sociais e serventuários só aumenta.

O batido e rebatido Provimento nº 36, de 05/05/2014, completou 4 anos e meio sem ser cumprido pelos Tribunais de Justiça de todo o Brasil.

Esse Provimento é essencial para que o princípio do melhor interesse da criança e a regra da prioridade absoluta insertos no artigo 227 da Constituição Federal sejam, finalmente, cumpridos.

Os prazos processuais diminuíram sensivelmente a partir da promulgação da Lei nº 13.509/2017, contudo serão reiteradamente descumpridos pela total falta de cumprimento do Provimento nº 36, restando, portanto, prejudicado os princípios da duração razoável do processo ou e da efetividade (artigo 5º, Inciso LXXVIII da Constituição Federal).

Sabemos que a criança não pode esperar, pois o decurso inexorável do tempo corre contra a criança, em estrita e frontal violação a diversos preceitos constitucionais; mas esse outro sujeito – adotante – precisa ser acolhido, adotado, cuidado por todos aqueles que fazem parte da área protetiva da justiça da criança e do adolescente.

A prioridade absoluta tem que ser cumprida, mas não a ponto de desprezar a outra ponta, não a ponto de a pressa não permitir 48 horas de espera, ou mesmo, uma ou duas horas para que se pense sobre a indicação, fale com marido ou esposa, companheiro ou companheira e/ou rede de apoio, pois, afinal, também batemos tanto nessa tecla da rede que não podemos, simplesmente, ignorá-la.

Vivemos um momento terrível de crise, a pessoa empregada agora pode estar – nos 20 minutos em que tudo pode mudar – desempregada até o final do dia, a rede de apoio pode ter mudado para Portugal ou para uma cidade do próprio estado onde a violência não seja tão gritante como nas grandes capitais.

Carinho, acolhida, afeto, paciência é o que nos falta e faço, aqui, minha mea culpa, já que sou, nitidamente, apressada, angustiada, pessoa que precisa resolver tudo aqui e agora, preferencialmente ontem. Preciso, também, ser mais paciente e adotar as pessoas que me procuram, colocando em prática o que tanto fala o nosso querido Sávio Bittencourt: precisamos nos adotar.

A morosidade e a complexidade dos procedimentos judiciais implicam um decurso de tempo que coloca a criança em risco de ver destruídas etapas de sua vida, vez que cada etapa, à sua maneira, é uma fase de plenitude que deve ser entendida e respeitada pelo mundo adulto, preponderantemente, pela justiça da infância e da juventude.  Isso é prioridade absoluta constitucional, sem que isso enseje o desconhecimento do outro, do adotante.

Vejo em alguns locais do judiciário e em outros onde existem atores da área da criança e do adolescente, a falta de paciência no atender, no receber, ouvir e prestar informações. Dói à aspereza com que tratam aqueles que ficam por minutos ou horas nas filas do atendimento, às vezes imiscuo-me nas conversas, oriento, indico os caminhos, informo a quem recorrer porque observo uma tremenda falta de empatia, de boa vontade ou simplesmente de vontade de ajudar.

Existem exceções por óbvio, àquele que vem com um sorriso enquanto estou com 10 boletos de acompanhamentos processuais na mão, que traz processo por processo com cuidado e carinho. E esses meu carinho de reciprocidade, pois nada é melhor do que fazer com leveza o trabalho que nos cabe.

Não é favor atender o advogado e respeitar suas prerrogativas – importante que se pontue a defesa intransigente das prerrogativas dos advogados -, mas, também, e de igual forma, aquela pessoa hipossuficiente, patrocinada pela Defensoria Pública e que na grande maioria das vezes, sequer sabe o que perguntar.

Então, me perdi em algum ponto, mas o que busco é a adoção dos adotantes por todos, por mim, pelos psicólogos, pelos assistentes sociais, oficiais de justiça, promotores, magistrados, defensores, pois são eles, somos nós, os futuros pais das crianças que têm o direito de se constituírem em filhos, somos nós uma parcela também vulnerável por n perdas, ou não, mas imbuídos da vontade legítima de parentar.

Silvana do Monte Moreira

[1] Disponível em: https://www.significados.com.br/empatia/, acesso em 16/4/2019.

[2] O Cuidado como valor Jurídico. Pereira, Tania da Silva e Oliveira, Guilherme. Saraiva, 2007.

[3] CALDERON, Ricardo Lucas. O Percurso Construtivo do Princípio da Afetividade no Direito de Família Brasileiro Contemporâneo: Contexto e Efeitos. Curitiba, 2011. Disponível em: https://acervodigital.ufpr.br/bitstream/handle/1884/26808/dissertacao%20FINAL%2018-11-2011%20pdf.pdf?sequence=1 . Acesso em: 17/4/2019.

[4] Disponível em http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/85009-whatsapp-pode-ser-usado-para-intimacoes-judiciais, acesso em 17/4/2019.

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