Histórias de amor: exceções nos casos de adoção, dois meninos passarão o Natal com as novas famílias!

Luiza Martin
luiza.martin@an.com.br

Levou quase um ano de espera, mas o presente de Natal de Guilherme chegou, em forma de mãe e pai, para recomeçar uma história que começou às avessas. A carta, escrita aos oito anos e remetida ao Papai Noel, ganhou a aposta com a realidade. Neste Natal, ele faz parte de uma nova família, depois de viver três anos em um abrigo de Florianópolis.

Assim como ele, o garoto R.C., em 2014, passará as festas de fim de ano longe do abrigo joinvilense em que morava. Crianças como eles provocam o recomeço de famílias catarinenses, em um processo chamado “adoção tardia” – que bem poderia ser rebatizada de “adoção ainda em tempo de ser e fazer feliz”.

Gui e R.C. foram resgatados de suas famílias de origem. Moraram em abrigos de forma transitória, até que o vínculo familiar fosse permanentemente rompido. Vivendo situações de abuso e descaso, os meninos foram tirados definitivamente de situações de risco pelas mãos da justiça. Entraram em abrigos como testemunhas da violência, encontrando um destino melhor na adoção tardia.

— É uma adoção de crianças maiores, e nunca é tarde para acontecer — esclarece a assistente social da Vara da Infância e da Juventude de Joinville, Olindina Krueger.

Embora não seja tarde, para algumas crianças que vivem nos abrigos a adoção pode nunca acontecer. É o caso dos adolescentes: jovens com mais de 13 anos tornarem-se parte de novas famílias são raras exceções.

Personagem desta matéria, R.C. foi a criança mais velha a ser adotada em Joinville em 2014: ele tinha 10 anos. A partir dos cinco anos, os nomes passam a integrar um cadastro internacional de adoção, diante da escassez de famílias interessadas em um perfil etário que foge ao dos recém-nascidos e das crianças pequenas.

Casais com idade acima dos 30 anos formam o perfil mais comum de interessados na adoção tardia. Muitos deles estão no segundo casamento, e procuram ser pai e mãe na formação de um novo núcleo familiar.

Ainda existem pelo menos duas ideias pré-concebidas que a assistente social ajuda a desmentir. Uma delas é a de que todas as crianças querem ser adotadas.

— Cada uma reage de um jeito. O mais comum é elas desejarem ser adotadas quando começam a entender a situação — explica — Temos que respeitar o momento e o desejo da criança. Ela precisa estar apta emocionalmente.

A outra ideia que precisa ser desmistificada é a de que toda criança chega recém-nascida aos abrigos. Que a desmintam Gui e RC, e suas histórias.

“Eu quero uma família muito legal…”

— … e um irmão e uma irmã — escreveu Guilherme, no dia 28 de novembro de 2013.

Guilherme, no dia em que saiu do abrigo
Guilherme, no dia em que saiu do abrigo

Com um texto de quem ainda não conhecia vírgulas, o menino reuniu os nomes de todos de quem sentiria saudade ao fazer um pedido especial ao Papai Noel, já com tom de despedida do abrigo.

Na lista de presentes, o carrinho de controle remoto veio depois dos novos irmãos. Assim, ele teria a companhia de quatro, já que vivia no abrigo em Florianópolis com seus dois irmãos biológico. Para finalizar a lista de desejos, pediu:

— Eu quero ir para casa.

Falar da carta escrita pelo filho há pouco mais de um ano deixa o jornalista Reginaldo dos Santos com a voz abafada. Quando se mudaram de Joinville para Florianópolis, ele e sua esposa, Marisete de Oliveira, resolveram adotar uma criança. Entraram na fila, onde ficaram por apenas 11 meses. Querer uma criança de mais idade foi crucial para a aceleração do processo.

— Isso já nos colocou na frente, na ponta — conta ele, que procurava um filho de cinco a nove anos, independentemente de etnia ou do sexo.

Enquanto Guilherme escrevia a carta, Reginaldo e Marisete planejavam a mudança para Florianópolis. Ela, aos 49 anos, tem uma filha do primeiro casamento. Reginaldo também já foi casado, mas, aos 48 anos, ainda não havia realizado o sonho de ser chamado de pai. A vontade de ter filhos só cresceu ao longo dos 14 anos que o casal está junto e ficou ainda mais forte quando ela teve duas gestações interrompidas, uma delas de gêmeos.

Nem Marisete nem Reginaldo pretendiam deixar Joinville. O trabalho com jovens da igreja freava a mudança em busca de um desafio profissional. O assessor de imprensa chegou a perguntar a Deus se deveria aceitar a proposta.

A resposta veio no dia 27 de outubro de 2014, com a guarda provisória de Guilherme.
O garoto é manézinho, nascido em São José. Fala “avacalhou”, “esculhambou” e “baita”. A mãe biológica perdeu a guarda dos três filhos, que não puderam permanecer com nenhum familiar próximo, pois ela encontrava os meninos, tirava-os da escola e sumia com eles. Nada disso assustou o casal.

— Independentemente da história de vida, era ele — acreditou Marisete.

R.C., o menino mais velho
R.C. é o primogênito de quatro filhos, três meninos e uma menina. A justiça decidiu tirar a guarda da família biológica quando o caçula, ainda recém-nascido, foi internado às pressas por causa de uma interrupção intestinal. Ao entrar na casa da família, o cenário que o Conselho Tutelar encontrou entre as crianças ia do piolho à desnutrição.

Vivaldo e Nilza agora dividem as felicidades com o filho
Vivaldo e Nilza agora dividem as felicidades com o filho

Os meninos, recém-nascidos, foram adotados logo. R.C. esperou até os dez anos. Metade de sua vida, passou no abrigo em Joinville. A primeira metade, na casa do pai presidiário e da mãe dependente química. O décimo primeiro ano de vida, ele comemorou ao lado de seus novos pais, o corretor de imóveis Vivaldo Bordin Júnior, 57 anos, e a funcionária pública Nilza Helena da Silva Vilhena, 51.

A ideia do casal nem sempre foi adotar uma criança mais velha – queriam um menino de dois a seis anos. Mas, depois de participar do curso preparatório para adoção, Nilza refletiu.

— E aos outros, quem vai dar uma oportunidade? Todo mundo quer bebezinho — questionou ela.

Em setembro de 2013, o casal iniciou o processo. Em menos oito meses, ganharam a guarda provisória de R.C.

O primeiro encontro aconteceu no dia 10 de abril. E “foi tenso”, na definição de Vivaldo, pois teve a presença da psicóloga e da assistente social. Outro motivo de tensão para os futuros pais era o de não ser compatível com as expectativas do menino.

— Lá dentro, eles montam o sonho de cada um. Nessa idade, idealizam muito. Acreditam em Cinderela, em um mundo ideal. Tem criança que quer a própria família arrumada, e não outra — lembra Nilza.

Nilza e Vivaldo tentaram adotar a irmã de R.C., de dez anos, que ainda vive no abrigo, mas ela não se adaptou, justamente por desejar ter a família biológica reconstruída. Eles agora esperam o tempo da menina, mesmo que, a princípio, tivessem desejado apenas um menino. Mas se engana quem pensa que o casal se interessou pela adoção por pena ou solidariedade.

— Não tem a ver com caridade. Tem a ver com amor maduro, com dar continuidade a algo que você tem dentro de si. É dar sentido à palavra amor — diferencia Vivaldo.

R.C. foi indicado para a família Bordin-Vilhena por ser inteligente e gostar de leitura. Permanecer no abrigo “seria um desperdício de R.C”, o menino mais velho a ser adotado em Joinville em 2014. A quase tudo ele responde com “Ah, tá”.

— Ele usa muito esse “Ah, tá”. Como sujeito, predicado, advérbio e até desculpa esfarrapada — brinca o pai.

Além de corretor e funcionária pública, os pais de R.C. são escritores. Publicaram juntos o livro de contos Meia Dúzia de Olhares. O próximo lançamento de Vivaldo e Nilza terá coautoria do filho, uma “infinitologia”, que começa com uma pergunta: o que você mais gosta na casa nova?

Depois de muita dúvida, ele responde.

— Ah, tá! Gosto de brincar com a Mel e a Jade [as duas mascotes da família]. A Jade sempre tenta lamber a minha cara.

Fonte: A Notícia

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.